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A arte não é uma verdade

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Mensagem  kelner Ter Fev 19, 2008 9:41 pm


Uma idéia renitente me acompanha a muito: Como definir a imprescindibilidade da literatura e da arte em geral para o homem?
Será que a necessidade da arte é insubstituível e imprescindível?
Certa vez, um amigo me disse: - mas você gosta das coisas que não existem? Estávamos conversando sobre política e entrou em questão a literatura de Marx. Tentei explicar que, embora leitor e simpatizante do marxismo, não encontrava prazer ao ler seus livros, como encontrava na ficção e na poesia.

O design gráfico Rafael Frota, diz que “a arte está mais ligada a uma necessidade metafísica, como a religião, do que com a fisiologia humana, como a fome. Não comer resulta na extinção do ser humano, porém a abdicação do fazer artístico não gera nenhum transtorno físico. Isso leva a crer –equivocadamente- que a arte é perfeitamente dispensável ao ser humano.”.
Meu amigo estaria pensando que a arte é perfeitamente dispensável? A única resposta que poderia dar-lhe era que realmente gostava daquelas coisas que “não existiam”.
Engraçado essas pessoas que chamam de maluco o ávido leitor de ficção. A maioria delas adora telenovelas.
Observou Da Vinci que a arte “diz o indizível; exprime o inexprimível; traduz o intraduzível”. Seria isso o que nos falta, e que a arte nos dá? É este o nutriente fantasma que há na arte, cuja transparência fez com que meu amigo me olha-se com estranheza?
Se a arte está ligada apenas àquela necessidade metafísica; do espírito. Que assim seja.
Olhando para trás, vemos que, embora a arte tenha sido feita para diversos propósitos, a que perdurou é àquela que contém valor abstrato, independente de qualquer coisa que não seja ela própria.
O teto da capela Sistina, povoada de profetas e sibilas, atravessará as gerações, como tem feito até agora, independente de seu significado. Não é com os profetas, Deus, ou qualquer figura pintada na capela, e suas respectivas representações que nos preocupamos, mas com a obra e seu poder poético. Miguelangelo disse: - fala Moisés! Assim que terminou a escultura. Não seria isso, uma expressão da abstração da obra de arte?
É bom que a arte sirva para pouco. Que se faça arte pela arte.
Oscar Wilde disse que “Toda a arte é inútil”. Se não o é, pelo menos seus motivos deveriam ser. Não creio que a arte deva abraçar causas; dar lições; caindo no erro das telenovelas de querer mostrar através da ficção, como a sociedade deve se comportar com relação ao alcoolismo, ao homossexualismo, aos entorpecentes, aos deficientes, etc.
A arte (literatura) serviu, por exemplo, para que gente como Waldir da Silva costa, Carlos Augusto Vieira da Costa e José Araújo de Lima, enriquecessem um pouco a vida dura de presidiários em Bangu, no Rio de Janeiro. Mas a literatura não é feita para que alguém se liberte algures: “O Segredo” para a auto-ajuda.
Há pouco tempo, algumas telas, atribuídas a Adolf Hitler foram leiloadas. O interesse era tão grande que o telefone da casa de leilão não parava de tocar.
O líder nazista manifestou talento artístico quando era menino. Foi rejeitado duas vezes pela Academia de Belas Artes de Viena, mas continuou a pintar até o início da guerra, em 1914, e também depois de voltar a vida civil.
Mão Tse-Tung, escrevia poesia que demonstrava sentimentos piedosos. Coisa desconcertante, em vista das atrocidades cometidas em seu nome.

“Quem pagou a conta” livro da jornalista inglesa, Francês Stonor Saunders, mostra como após a segunda guerra mundial o governo americano financiou livros, revistas, peças, concertos, filmes e exposições para promover a causa do capitalismo.
Uma escultura de Stalin segurando um livro do poeta Aleksandr Puchkin, ganhara um concurso promovido pelo governo soviético em comemoração ao centenário do poeta.
T.S. Eliot teve livros publicados pela CIA; Duke Wellington e Louis Armstrong foram tocar na Europa com passagens pagas pela agência.
Jackson Pollock foi apoiado com entusiasmo: “Sendo não figurativo e politicamente silencioso, o expressionismo abstrato era a própria antítese do realismo socialista” escreve Saunders.
Machado de Assis, que era mulato, vez por outra é acusado de ter sido apático para com a causa dos negros de sua época.
A arte não é a verdade. A arte é uma mentira que nos ajuda a entender a verdade” Disse Pablo Picasso.
Não se deve cobrar do artista, um bom comportamento, uma postura social em sua obra. Talvez como indivíduo; talvez.
A arte não é responsável pela verdade, ciência, ética. O bem e o mal não lhe interessam. Pouco importa a pobreza dos brasileiros; a independência de Kosovo ou o aquecimento global, para um livro de trinta mil palavras, um painel ou uma sinfonia. Na há ingenuidades na arte. A arte que for ideológica, não serve. A que ensina, menos ainda.
A arte, a meu ver, no máximo, encerra a sentença que Machado pôs no fim de seu romance, Iaiá Garcia: “Alguma cousa escapa ao naufrágio das ilusões”.


Última edição por Cyber em Ter Fev 19, 2008 10:19 pm, editado 4 vez(es)

kelner
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