Martelo por Miguel Pinho (conto)
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Martelo por Miguel Pinho (conto)
Trrrriiimm.
A mão ainda sonolenta silenciava a orquestra mecânica
vinda do despertador. Esse era o chamado para mais um dia. Com os
olhos entreabertos observo meu diminuto apartamento. Este possuía
seus cômodos não muitos bem definidos, a sala fundia-se
com o quarto, cozinha e banheiro. Habitações com essa
organização alguns chamavam de quitinete, outros diziam
que era otimização do espaço, eu chamava pelo
afetivo nome de "o que posso pagar".
Provavelmente
já seria a hora do café da manhã e teria uns
quinze minutos para me levantar da cama, jogar uma água ao
corpo, tomar aquela xícara de café frio e comer um pão
dormido. O tempo se esvai e é provável que se tenha
passado os quinze minutos somente planejando o que faria com tão
escasso período. Meu trabalho ainda esperaria meia hora até
que saísse de casa.
-
Bom dia seu Roberto Nunes.
-
Dona Glória a senhora não sabe como a situação
anda difícil, para o mês debitarei meus atrasos com a
senhora. - Disse esgueirando-me pelo corredor.
Devia
à velha dois meses de aluguel, sempre que a via dava-lhe a
mesma resposta seguida pela mesma ação. Sentia vergonha
de estar em falta com minhas contas, meu pai me martelava à
cabeça que um homem decente deve honrar seus compromissos. O
martelo de papai era o principal responsável por noites
passadas em claro, em meus sonhos ele corria atrás de mim com
a sua enorme cabeça metálica.
Todo
o dia ficava duas horas além do normal no escritório.
Esse tempo era necessário para que pudesse quem sabe um dia
pagar Dona Glória e outros que me perseguiam. Gostaria de
poder enviar-lhes uma carta dizendo que sumi. A mensagem seria
impressa em papel barato e meus algozes a amassariam com raiva pelo
prejuízo sofrido. Não estes não seriam os meus
carrascos e sim meu predadores. Eu muito que certo era algum
produtor, quem sabe um vistoso capim, dona Glória uma
chinchila magrela, pois não consegue comer capim suficiente. E
esta teria algum predador que por sua ver teria outro predador... Era
uma questão de sobrevivência, apenas os mais fortes
sobreviveriam. Darwin devia ser economista também.
Se
eu fosse como os trabalhadores do meu livro de história que
trabalhavam dezesseis, dezessete horas por dia teria muito mais
chance de sobreviver. Era o instinto de sobrevivência que me
fazia querer trabalhar mais. Minha vida tinha um valor baixo, pois
trabalhava apenas oito horas e mais as horas extras e nem conseguia
tirar meu orçamento do vermelho. Todos nessa grande bolsa de
valores que chamamos de mundo deviam possuir um valor, uns baixos
como eu e outros altos como Conrado gerente financeiro.
Nesta
noite tive um sonho um tanto incomum. Sonhei com uma tribo de índios
guerreando e eles se comunicavam de forma estranha
-
Pipoca mandioca maracanã - disse o cacique apontando para os
derrotados caídos no chão.
-
Maracanã pipoca - respondeu um selvagem mais novinho
arrastando os corpos.
Eles
comiam os derrotados e faziam uma grande dança. Depois que
acordei as coisas fizeram sentido. Os índios falavam somente
essas palavras talvez pelo motivo de serem as únicas que
conhecia. A antropofagia era um ritual praticado pelos índios
que consistia em comer os inimigos derrotados com fim de adquirir sua
força. Com certeza era um sinal. Veja o martelo de papai não
apareceu justamente quando os selvagens comiam seus inimigos. Será
que se eu comesse meus inimigos o martelo desapareceria? Se a
interpretação dos sonhos estivesse certa quem seriam
meus inimigos?
Na
manhã seguinte ao sonho fui ao trabalho com a idéia
fixa de que se comesse Conrado ganharia sua posição na
cadeia alimentar. Meus problemas estariam acabados, seria futuramente
o gerente financeiro. Quando Conrado sai de sua sala fito-o com os
olhos enquanto se dirige para o banheiro. Pego uma chave de fenda que
estava sob a minha mesa vou logo em seguida ao mesmo ambiente. O vejo
no mictório, estava assobiando. Soava como um insulto a mim.
Sento-me em uma privada e consigo ver seus pés por debaixo da
porta. No instante que ele se encaminha em direção à
torneira corro pelas suas costas e enterro o instrumento em seu
pescoço. De sua boca ecoa um som similar de alguém que
se engasga. Desfiro mais alguns golpes. Agora era o momento para
iniciar a prática antropofágica. Imagino Conrado, que
possuía uma gordura tipicamente burguesa, como um porco, até
aquela maldita pele rosada era parecida. Fecho os olhos e dou a
primeira mordida, sinto apenas gosto de sangue. Se pudesse refogar
quem sabe ficasse até gostoso, poderia esperar o sono para
pegar com os índios um livro de receitas.
-Pipoca,
mandioca - falaria isto a alguma mulher da tribo e ela imediatamente
me daria um livro de receitas antropofágicas.
Ouço
um som da porta e um grito, e o barulho da porta fechando novamente.
Continuo com a ceia, mas estava um pouco enjoado. Olho para o corpo
ensangüentado no chão e tenho a sensação de
missão cumprida. Agora era o gerente financeiro da Tavares &
Cia. Delicio-me com a idéia, deito ao lado do corpo e me perco
nos pensamentos. Agora pagaria todos os meus predadores e minha
sobrevivência estaria garantida. A embriaguez causada por esse
prazer efêmero faz-me pegar no sono.
Brusco
barulho na porta acorda-me e logo em seguida uma rajada de balas
cruza meu corpo. Minhas pálpebraspesam toneladas e dou
um sorriso. O sorriso era devido à confirmação
de minha tese sobre a cadeia alimentar e a comprovação
do ritual indígena. Quem fizera aquilo comigo certamente seria
o novo gerente financeiro da Tavares & Cia.
A mão ainda sonolenta silenciava a orquestra mecânica
vinda do despertador. Esse era o chamado para mais um dia. Com os
olhos entreabertos observo meu diminuto apartamento. Este possuía
seus cômodos não muitos bem definidos, a sala fundia-se
com o quarto, cozinha e banheiro. Habitações com essa
organização alguns chamavam de quitinete, outros diziam
que era otimização do espaço, eu chamava pelo
afetivo nome de "o que posso pagar".
Provavelmente
já seria a hora do café da manhã e teria uns
quinze minutos para me levantar da cama, jogar uma água ao
corpo, tomar aquela xícara de café frio e comer um pão
dormido. O tempo se esvai e é provável que se tenha
passado os quinze minutos somente planejando o que faria com tão
escasso período. Meu trabalho ainda esperaria meia hora até
que saísse de casa.
-
Bom dia seu Roberto Nunes.
-
Dona Glória a senhora não sabe como a situação
anda difícil, para o mês debitarei meus atrasos com a
senhora. - Disse esgueirando-me pelo corredor.
Devia
à velha dois meses de aluguel, sempre que a via dava-lhe a
mesma resposta seguida pela mesma ação. Sentia vergonha
de estar em falta com minhas contas, meu pai me martelava à
cabeça que um homem decente deve honrar seus compromissos. O
martelo de papai era o principal responsável por noites
passadas em claro, em meus sonhos ele corria atrás de mim com
a sua enorme cabeça metálica.
Todo
o dia ficava duas horas além do normal no escritório.
Esse tempo era necessário para que pudesse quem sabe um dia
pagar Dona Glória e outros que me perseguiam. Gostaria de
poder enviar-lhes uma carta dizendo que sumi. A mensagem seria
impressa em papel barato e meus algozes a amassariam com raiva pelo
prejuízo sofrido. Não estes não seriam os meus
carrascos e sim meu predadores. Eu muito que certo era algum
produtor, quem sabe um vistoso capim, dona Glória uma
chinchila magrela, pois não consegue comer capim suficiente. E
esta teria algum predador que por sua ver teria outro predador... Era
uma questão de sobrevivência, apenas os mais fortes
sobreviveriam. Darwin devia ser economista também.
Se
eu fosse como os trabalhadores do meu livro de história que
trabalhavam dezesseis, dezessete horas por dia teria muito mais
chance de sobreviver. Era o instinto de sobrevivência que me
fazia querer trabalhar mais. Minha vida tinha um valor baixo, pois
trabalhava apenas oito horas e mais as horas extras e nem conseguia
tirar meu orçamento do vermelho. Todos nessa grande bolsa de
valores que chamamos de mundo deviam possuir um valor, uns baixos
como eu e outros altos como Conrado gerente financeiro.
Nesta
noite tive um sonho um tanto incomum. Sonhei com uma tribo de índios
guerreando e eles se comunicavam de forma estranha
-
Pipoca mandioca maracanã - disse o cacique apontando para os
derrotados caídos no chão.
-
Maracanã pipoca - respondeu um selvagem mais novinho
arrastando os corpos.
Eles
comiam os derrotados e faziam uma grande dança. Depois que
acordei as coisas fizeram sentido. Os índios falavam somente
essas palavras talvez pelo motivo de serem as únicas que
conhecia. A antropofagia era um ritual praticado pelos índios
que consistia em comer os inimigos derrotados com fim de adquirir sua
força. Com certeza era um sinal. Veja o martelo de papai não
apareceu justamente quando os selvagens comiam seus inimigos. Será
que se eu comesse meus inimigos o martelo desapareceria? Se a
interpretação dos sonhos estivesse certa quem seriam
meus inimigos?
Na
manhã seguinte ao sonho fui ao trabalho com a idéia
fixa de que se comesse Conrado ganharia sua posição na
cadeia alimentar. Meus problemas estariam acabados, seria futuramente
o gerente financeiro. Quando Conrado sai de sua sala fito-o com os
olhos enquanto se dirige para o banheiro. Pego uma chave de fenda que
estava sob a minha mesa vou logo em seguida ao mesmo ambiente. O vejo
no mictório, estava assobiando. Soava como um insulto a mim.
Sento-me em uma privada e consigo ver seus pés por debaixo da
porta. No instante que ele se encaminha em direção à
torneira corro pelas suas costas e enterro o instrumento em seu
pescoço. De sua boca ecoa um som similar de alguém que
se engasga. Desfiro mais alguns golpes. Agora era o momento para
iniciar a prática antropofágica. Imagino Conrado, que
possuía uma gordura tipicamente burguesa, como um porco, até
aquela maldita pele rosada era parecida. Fecho os olhos e dou a
primeira mordida, sinto apenas gosto de sangue. Se pudesse refogar
quem sabe ficasse até gostoso, poderia esperar o sono para
pegar com os índios um livro de receitas.
-Pipoca,
mandioca - falaria isto a alguma mulher da tribo e ela imediatamente
me daria um livro de receitas antropofágicas.
Ouço
um som da porta e um grito, e o barulho da porta fechando novamente.
Continuo com a ceia, mas estava um pouco enjoado. Olho para o corpo
ensangüentado no chão e tenho a sensação de
missão cumprida. Agora era o gerente financeiro da Tavares &
Cia. Delicio-me com a idéia, deito ao lado do corpo e me perco
nos pensamentos. Agora pagaria todos os meus predadores e minha
sobrevivência estaria garantida. A embriaguez causada por esse
prazer efêmero faz-me pegar no sono.
Brusco
barulho na porta acorda-me e logo em seguida uma rajada de balas
cruza meu corpo. Minhas pálpebraspesam toneladas e dou
um sorriso. O sorriso era devido à confirmação
de minha tese sobre a cadeia alimentar e a comprovação
do ritual indígena. Quem fizera aquilo comigo certamente seria
o novo gerente financeiro da Tavares & Cia.
Miguel Pinho- Número de Mensagens : 8
Idade : 35
Localização : Rio de Janeiro
Data de inscrição : 19/01/2008
Re: Martelo por Miguel Pinho (conto)
Pena que não saiu bem formatado.
Miguel Pinho- Número de Mensagens : 8
Idade : 35
Localização : Rio de Janeiro
Data de inscrição : 19/01/2008
Re: Martelo por Miguel Pinho (conto)
Pra quem gostou do texto, pode acessar tb o meu blog, criei recentemente.
http://miguelpinhorj.blogspot.com/
http://miguelpinhorj.blogspot.com/
Miguel Pinho- Número de Mensagens : 8
Idade : 35
Localização : Rio de Janeiro
Data de inscrição : 19/01/2008
Re: Martelo por Miguel Pinho (conto)
Caramba, vou acessar esse blog já! Parabéns.
nelsinho.66- Número de Mensagens : 10
Idade : 49
Localização : São Paulo - SP
Data de inscrição : 15/02/2008
posta de novo!
Miguel, por que você não posta de novo, bem formatadinho, para a gente ler com mais prazer?
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